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Aviso à navegação: os perigos da “regionalização”

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Quando se fala em regionalização, raramente se sabe do que se está a falar, pois o termo é equívoco e presta-se a mil interpretações e a uma complexidade que os seus adeptos não dominam. A regionalização nada tem a ver com descentralização; pelo contrário, enquanto a regionalização parte e confunde, a descentralização aproxima, por delegação do Estado, o poder dos cidadãos. A regionalização é convulsa, desestruturadora da unidade e diversidade do território; a descentralização, por seu turno, hierarquiza, harmoniza e confere racionalidade à comunicação entre o topo e a base da administração política do território nacional.

Para quantos estão familiarizados com temas, autores e obras da História da Administração em Portugal – de Costa Lobo, Lúcio de Azevedo, Alberto Sampaio e, mais recentemente, António Manuel Hespanha – o argumento da não existência de “regiões” em Portugal é um dado insofismável. Há “regiões geográficas” para geógrafos e demógrafos, como há “regiões” económicas e, até “regiões” culturais”, mas nenhuma dessas categorias corresponde à existência de uma tradição de “regionalismo” tomado no seu todo político, administrativo, económico, cultural, religioso e sociológico.

Como sabemos, na Idade Média, o território português estava dividido em terras e territórios de suserania feudal, ou seja, de senhorias individuais (nobreza), colectivas (concelhos) ou regalengas (pertencente ao Rei). Em cada terra ou território do Norte (Entre-Douro e Minho e, depois, entre o Minho e o Tejo) havia uma paróquia ou freguesia, mas a organização territorial senhorial (individual, colectiva e regalenga) nada tinha a ver com “regiões eclesiásticas”, unidades administrativas da Igreja cuja base era a paróquia e o topo o bispado. No fim da Idade Média, a administração local, sendo de eleição concelhia, regia-se pelo princípio do autogoverno sempre limitado por funcionários de nomeação régia (meirinhos, corregedores). Em Portugal, nunca houve feudalismo na acepção francesa, leonesa, inglesa e, sobretudo, germânica. Ali, a construção do Estado foi dificultada por séculos de pequenos poderes familiares, divergências linguísticas e dialetais, obediência religiosa ou até pela pré-existência de unidades políticas autónomas.

Desde finais da Idade Média que, para fins administrativos e judiciais, as únicas divisões do território português eram as províncias, sendo que cada província era subdividida em comarcas presididas por um corregedor e, por último, as divisões eclesiásticas. Para cada província era nomeado um governador com funções essencialmente militares, assistido pelos principais líderes da nobreza local, líderes concelhios e destacados cidadãos com capacidade para pôr em pé de guerra milícias locais.

Esta estruturação do território funcionou até finais do Antigo Regime, ou seja, até ao advento do liberalismo, quando passou a vigorar a divisão administrativa de Províncias, Concelhos e Freguesias. Não houve nunca, pois, “regiões” em Portugal. Trata-se de uma ficção que colide com a verdade histórica.

MCB

Dia 2, quarta-feira, a Nova Portugalidade organiza em Lisboa uma conferência sobre este mesmo assunto. Será na Casa da Sertã pelas 19h00, e o orador será o Professor Manuel Filipe Canaveira. Aqui a página do evento.

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