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Houve colónias, e desde quando?

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Uma das pechas demagógicas e inquinadas de ideologia que mais circula no jargão anti-português é a do uso indiscriminado do termo “colónia”, indiferentemente do tempo e do local a que se aplica, sabendo que tal substantivo passou a ter conotação pejorativa; logo, usada com o intuito de abusar psicologicamente do destinatário. Esta questão merece afinamento e dilucidação conceptual e semântica, sob pena de não se saber exactamente do que se está a falar.

Durante séculos, com precisão entre os séculos XV e XIX, colónia queria apenas referir o assentamento de portugueses no Ultramar, ou seja, populações vindas do Reino que em terras do Brasil e das ilhas atlânticas estabeleciam vida, desbravavam, cultivavam e desenvolviam actividade económica produtiva. Entre o século XVI e XIX, a estruturação formal do Ultramar desconhecia o valor jurídico do termo. Não ocorre em qualquer documento.

Então, o Ultramar português, do Brasil a África e ao Oriente, só conhecia Estados (Índia e Brasil), capitanias (Cabo-Verde, Guiné, Angola, etc) e estabelecimentos (feitorias). Todas estas variantes possuíam uma característica local comum: a existência de câmaras, poder local supletivo da autoridade central, comummente dominadas por vereações nas mãos de homens naturais das mesmas. Por exemplo, na Goa do século XVIII, a vereação tinha, por força do regimento, de incluir dois fidalgos nomeados pelo governo da Índia, dois vereadores da nobreza local (indo-portugueses), quatro representantes das corporações de ofícios e um procurador da cidade, eleitos pela população local. Todas as leis do Reino se aplicavam indistintamente na Europa, como no Ultramar, o que fazia do Ultramar juridicamente igual ao Reino. Prevaleceu sempre o princípio da aplicação ao Ultramar da legislação civil, criminal e processual do Reino, pelo que não havia desigualdade, ou seja, não havia “colónias”.

Com a revolução liberal, tal igualdade legal manteve-se nas constituições de 1822, na Carta de 1826 e na Constituição de 1838, com a simples alteração do estatuto das possessões ultramarinas que passaram a ser designadas por províncias com igual estatuto às do continente português. Então, por influência cultural europeia, o termo colónia começou a assomar como expressão vazia de conteúdo jurídico como sinónimo de Ultramar. Então, até à proclamação da República, o espaço ultramarino era administrado pelo Ministério da Marinha e Ultramar.

A colónia, enquanto fórmula jurídica e administrativa, só aparece em 1911, por influência francesa da III República. À adopção da fórmula francesa – note-se, da esquerda francesa laica e republicana – nasceu em 1911 o Ministério das Colónias, em 1914 e 1917 a Lei do Indígena e, finalmente, em 1930, o Acto Colonial. Em 1951, o Acto Colonial foi revogado e entre 1953 e 1954, todos os aspectos relacionados, respectivamente, com a cidadania e afinamento do modelo administrativo das províncias, permitiu voltar à fórmula das províncias ultramarinas e ao reconhecimento pleno da cidadania portuguesa a todos os habitantes do espaço português, como sempre fora.

Assim, dos 500 anos de presença portuguesa em África, só 43 foram passados em regime colonial. Há que saber responder às amálgamas com factos e argumentos insusceptíveis de opiniões.

MCB

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