Início Nova História O que aconteceu aos 200 000 mouriscos que viviam em Portugal?

O que aconteceu aos 200 000 mouriscos que viviam em Portugal?

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O episódio da expulsão dos mouriscos de Espanha pelo duque de Lerma, em 1609, parece oferecer bastos exemplos que coincidem plenamente com a actual situação.

Para quantos não se interessam pela História e apenas atentam nas ideias descarnadas do seu envolvente, o desmoronar de tantas certezas que ainda há poucos anos tínhamos por indiscutíveis, convida a um simples exercício de rememoração. Nada disto é novo. Aconteceu, entre nós peninsulares há precisamente quatro séculos.

Os mouriscos eram habitantes da península ou descendentes de invasores que aqui viviam há muitos séculos. A maioria dos mouriscos era, porém, descendente de cristãos convertidos ao Islão por altura da invasão e conquista islâmica, mas que depois se reconverteram ao cristianismo ao longo da chamada reconquista. Fisionomicamente, eram tão claros como quaisquer outros cristãos do norte peninsular. Contudo, os mais escuros, produto de casamentos com berbéres e árabes, passaram a ser chamados de “morenos”.

Ao longo da reconquista cristã, foram alvo de assimilação, passando a receber a designação de mudéjares (tal como moçárabes haviam sido as populações cristãs submetidas durante o período de dominação muçulmana). Contudo, se aos moçárabes havia sido permitida a preservação da sua religião [cristã], os mudéjares foram baptizados, mas nunca se lhes reconheceu plenamente o estatuto dos cristãos (velhos) do norte peninsular, sendo sujeitos às chamadas capitulações. Simulavam adesão plena aos preceitos e crenças católicas, mas mantiveram sempre fortes contactos emocionais com o Islão. A experiência evangelizadora cristã é basta em exemplos demonstrativos da impossibilidade de um muçulmano abandonar a sua fé e transitar para outros sistemas de crenças.

Para as autoridades cristãs de finais do século XVI, a conversão forçada dos mouriscos parecia ter sido alcançada. Os mouriscos eram todos cristãos, mas a Inquisição – que era uma polícia religiosa – compreendeu que a cristianização apenas se realizara no espaço público. Praticavam a taqqiya – a dissimulação, dizendo-se católicos, mas perseverando intramuros na sua fé muçulmana – e construíram uma identidade distinta da maioria velha cristã envolvente. Alguns mantiveram a competência da escrita árabe – escreviam em português ou castelhano utilizando caracteres árabes – e relacionava-se entre si através da chamada algaraviada. Eram ricos, operosos e trabalhadores. O seu número era então impressionante, pois casavam mais cedo, tinham mais filhos e não havia entre eles a tradição cristã de tomar ordens religiosas (10% da população masculina cristã tomava o estado eclesiástico, pelo que não procriava).

A chegada dos turcos ao norte de África gerou verdadeiro pânico. Em finais do século XVI, as autoridades decretaram o desarmamento destas comunidades. Temia-se uma sublevação iminente, pelo que parte apreciável da população mourisca foi expulsa. Em Espanha ficaram as famílias mistas ou quantos, protegidos por vizinhos cristãos amigos, os acolheram e esconderam até que passasse a vigilância. Portugal não conheceu tal expulsão, mas ficaram vestígios nos Mouras, nos Morenos, Mesquitas e Mesquitelas, Albarráns, Almeidas (?), Amaros, Almadas …

Em ambos os casos – o português e o espanhol – houve fracasso da multiculturalidade. Contudo, entre a expulsão dos mouriscos decretada pela Coroa espanhola em 1609 e a assimilação tentada e conseguida pela Coroa portuguesa, a solução portuguesa mostrou-se a mais sensata, a mais humana e conseguida. A verdade é que decreto análogo ao espanhol fora legislado em 1506, pelo que em finais do século XVI deixara de haver qualquer presença de um enclave mourisco. Onde a Espanha fracassou, Portugal triunfou.

Miguel Castelo-Branco

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